quarta-feira, 16 de outubro de 2024

Convívio humano x animais

 


Texto: James Rachels.

             Uma preocupação presente na obra de Bentham (1748-1832) e de Mill (1806-1873) era com as questões derivadas do convívio humano com os animais. Veja como o escritor James Rachels coloca o problema.

             Uma vez que tanto os seres humanos como os não humanos podem sofrer, temos iguais razões para não maltratar qualquer deles. Se um ser humano é torturado, por que razão é isso errado? Porque ele sofre. Por analogia, se um ser não humano é torturado, também sofre, e por isso é igualmente errado e pela mesma razão. Para Bentham e Mill, esta linha de raciocínio era decisiva. Humanos e não humanos têm igual direito à consideração moral.

             No entanto, esta perspectiva pode parecer tão extrema, na direção oposta, como a perspectiva tradicional que não concede aos animais qualquer lugar independente no plano da moralidade.

             Devem os animais ser de fato encarado como iguais aos seres humanos? Em alguns aspectos, Bentham e Mill pensavam que sim, mas tiveram o cuidado de sublinhar que isso não significava que animais e humanos tenham de ser sempre tratado da mesma maneira. Há diferenças factuais entre eles que com frequência justificam diferenças de tratamento. Por exemplo, uma vez que os seres humanos têm capacidades intelectuais que faltam aos animais, são capazes de sentir prazer em coisas que os seres humanos são incapazes de fluir – os seres humanos podem fazer matemática, apreciar literatura, e assim por diante. De modo análogo, as suas capacidades superiores podem torná-los capazes de frustações e desapontamentos de que os outros animais não podem ter experiências. Por isso, o nosso dever de promover a felicidade implica o dever de promover esses prazeres especiais para eles, bem como prevenir qualquer tipo de infelicidade à qual são vulneráveis. Ao mesmo tempo, no entanto, na medida em que o bem estar dos outros animais é afetado pela nossa conduta, temos o dever moral estrito de tornar isso em conta, contando o seu sofrimento de modo igual ao de um sofrimento semelhante de que um ser humano tenha experiência.

             Os utilitaristas contemporâneos têm por vezes resistido a este aspecto da doutrina clássica, e isso não é surpreendente. O nosso <<direito>> de matar, fazer experiências ou usar os animais de outras formas que queiramos parece à maioria de nós tão óbvio que é difícil acreditar que estamos realmente a comportar-nos tão mal como Bentham e Mill insinuaram. No entanto, alguns utilitaristas contemporâneos avançaram argumentos poderosos para mostrar que Bentham e Mill tinham razão. O filósofo Peter Singer, num livro como estranho título de Libertação Animal (1975), insistiu, seguindo os princípios estabelecidos por Bentham e Mill, que o nosso tratamento dos animais não humanos é profundamente incorreto.

 

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