Em geral, lidamos melhor com o “eu” do que com o “outro”. Afinal,
tendemos a ter familiaridade conosco e com o que é nosso. Mas em nossa
sociedade não vivemos sem o olhar do outro, que é quem traz um pedaço de nós
que pode nos parecer estranho, porque parte de um ponto de vista diferente.
Quando olhamos para o outro, lidamos com algo que está fora de nós.
Tendemos a utilizar o nosso referencial para entendê-lo e julgá-lo, mas
dificilmente conseguiremos compreendê-lo se não deixarmos um pouco de lado o
nosso ponto de vista, ou seja, nosso referencial, e se não buscarmos entender o
outro a partir do ponto de vista dele.
A palavra alteridade significa aquilo que é do outro, o que
é diferente, distinto, em relação a mim. Aceitar a alteridade significa aceitar
o outro como ele é, ou seja, aceitar que as pessoas podem pensar de um jeito
diferente, se vestir de um jeito diferente ou mesmo ter uma religião diferente
da nossa sem que isso nos perturbe.
A
Antropologia é uma das diversas Ciências Humanas que significa literalmente, a “ciência
do ser humano”. Seu objeto de estudo é a
experiência humana na totalidade, incluindo aspectos sociais, linguísticos,
históricos e culturais. Por colocar frente a frente diversas culturas e
analisar a forma como cada uma entende o mundo e se relaciona com ele, a
Antropologia pode ser considerada uma “ciência da alteridade”.
Tradicionalmente, o estudo de grupos indígenas é feito por antropólogos.
A palavra alteridade caminha lado
a lado com a palavra identidade, que significa aquilo que é
característico de uma pessoa ou de um grupo de pessoas. A identidade, portanto,
pode ser individual ou coletiva.
Uma vez que existe grande diversidade
cultural, social, econômica, etc., no mundo, aceitar a alteridade é assumir uma
atitude filosófica, pois abre espaço para ao diálogo e contribui para o
respeito da liberdade de cada um. A rejeição da alteridade é um dos fatores que
podem dar origem ao etnocentrismo, ou seja, a uma forma de entendimento do
mundo que considera um grupo superior aos outros e que quem está fora desse
grupo deveria ter o mesmo comportamento ou os mesmos valores. Essa visão
contraria o respeito à liberdade e à autonomia de cada um no convívio coletivo
e a compreensão do que é o ser humano.
O texto abaixo foi extraído de O
conto da ilha desconhecida, livro do escritor português José Saramago
(1922-2010) publicado em 1997, que narra a história de um homem que gostaria de
fazer uma viagem rumo a uma ilha desconhecida, e para isso pede ajuda ao rei,
que lhe dá um barco. No primeiro trecho, o homem conversa com o rei no palácio.
No trecho seguinte, já no cais do porto, ocorre um diálogo entre o homem e sua
amiga, que pergunta o que fazer, uma vez que ele ainda não tem tripulação.
[...] E tu para
que queres um barco, pode-se saber, foi o que o rei de facto perguntou quando
finalmente se deu por instalado, com sofrível comodidade, na cadeira da mulher
da limpeza, Para ir à procura da ilha desconhecida, respondeu o homem, Que ilha
desconhecida, perguntou o rei disfarçando o riso, como se tivesse na sua frente um louco
varrido, dos que têm a mania das navegações, a quem não seria bom contrariar
logo de entrada, A ilha desconhecida, repetiu o homem, Disparate, já não há
ilhas desconhecidas, Quem foi que te disse, rei, que já
não há ilhas desconhecidas, Estão todas nos mapas, Nos mapas só estão as ilhas conhecidas, E que ilha desconhecida é essa de que queres ir à procura, Se eu to
pudesse dizer, então não seria desconhecida, A quem ouviste falar dela,
perguntou o rei, agora mais sério, A ninguém, Nesse caso, porque teimas em
dizer que ela existe, Simplesmente porque é impossível que não exista uma ilha
desconhecida [...]
Que pensas fazer, se te falta a
tripulação, Ainda não sei, Podíamos ficar a viver aqui, eu oferecia-me para
lavar os barcos que vêm à doca e tu, E eu, Tens com certeza um mester, um ofício,
uma profissão, como agora se diz, Tenho, tive, terei se for preciso, mas quero
encontrar a ilha desconhecida, quero saber quem sou eu quando nela estiver, Não
o sabes, Se não sais de ti, não chega a saber quem és [...] é necessário sair
da ilha para ver a ilha. SARAMAGO, José. O conto da ilha desconhecida.
(Texto transcrito
– Manual de Filosofia)
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